Como foi a sua trajetória até chegar ao mundo da tatuagem?
Eu comecei a tatuar com 15 anos de idade em 1985. Era manualmente. Comecei a fazer com dois hippies que vi na praia em São Vicente, fiquei assistindo eles fazendo, depois perguntei como faziam. Me ensinaram a enrolar três agulhas de miçangas, fazer o desenho e usar Nankin. Mas, aos cinco anos de idade, já era visto como um menino que desenhava, desde a pré-escola. E por influência da cidade onde moro, vizinha de Santos, onde o Luky, primeiro tatuador do Brasil, se instalou, eu via muitos marinheiros e muitos surfistas tatuados, o que também virou moda depois da música 'Menino do Rio', da Baby Consuelo. A música falava do dragão tatuado no braço. Então, tudo isso me influenciava. Comecei fazendo trabalhos temporários e logo passei a fazer as definitivas. Um dia, meu pai me perguntou o que eu queria fazer da minha vida e eu respondi que queria ser um tatuador. Daí, ele me pediu uma referência, mas não havia muita gente. Na época, eu passava na frente de um estúdio de um tatuador chamado Nilton Borini. Meu pai ligou para ele e pediu que me ajudasse. Admirado, ele fez uma tattoo de graça e foi me explicando. Daí em diante, foi só trabalhar com um pouco mais de profissionalismo. Em 1988 eu parei porque começaram a divulgar o problema do HIV, e fui trabalhar com publicidade. Voltei a trabalhar com tattoo somente em 1996.
Quais eram suas referências e hoje em dia de qual artista você absorve técnicas e inspiração?
As minhas referências ainda estão aí até hoje como o Maurício Teodoro, o Junior Goussain, que inclusive tenho uma tattoo dele; Victor Chill, tatuador de Barcelona que passou uma semana aqui em meu estúdio. Tenho gostado bastante dos tatuadores da nova geração, como o Murilo, Fabrício Vitor, do Guarujá; e Fábio Rodrigues, que é uma grande referência. Estou sempre acompanhado o desenvolvimento técnico. É impossível negar o quanto a tatuagem evoluiu, mas eu procuro me espelhar mais nos tatuadores que desenham. A técnica é importante mas alguns tatuadores já nem ligam mais para aquela exatidão, para perfeição. Quando chegam ao nível profissional de aplicação, apenas passam a se preocupar com o desenho, com a arte, composição. Então, eu procuro me espelhar mais nesses, por exemplo o Filip Leu, que até hoje tenho como referência infinita. Não tem como parar de ver o trabalho de um gênio desses, pessoas que chegaram a um patamar, que se mantêm ali e cada vez surpreendem mais.

Você é, sem dúvida, o artista brasileiro com as séries de desenhos mais reproduzidas por outros tatuadores. O que isso significa para você?
Eu fico muito contente com o resultado do meu trabalho ao longo desses anos. Quando eu apresentei a coleção de desenho na revista Metal Head Tattoo - acho que eu fui o primeiro a anunciar em revista de tatuagem - os desenhos eram relativamente técnicos e foram feito em papel da cor da pele, o que fez com que se destacassem. Eu sempre fui consciente que meu trabalho e minha vida pessoal são coisas diferentes, portanto isso nunca subiu no meu ego, sei que o trabalho fez sucesso mas eu nunca deixei isso me atingir de uma forma negativa. Tenho orgulho positivo, e qual artista não gosta de ser reconhecido? Até porque a gente precisa do reconhecimento para ter clientes. Fico feliz com essa repercussão que meu trabalho teve entre os tatuadores, e até hoje é lembrado com muito respeito. Essa é uma das coisas mais legais que já aconteceram comigo no mundo da tatuagem.
O que você acha de competições em convenções de tatuagem?
Hoje em dia eu não vejo de uma forma muito sadia. Existem tatuadores que só pensam nisso e acham que é importante para o desenvolvimento da carreira e isso é ilusão. Um cliente que vai atrás de um tatuador apenas porque ele tem troféu é o mesmo que vai no show de uma banda apenas porque ele tem diploma de música, ou ganhar algum prêmio sem conhecer seu trabalho. Isso não existe. O cliente tem que ir por causa do trabalho. Prêmio de convenção muitas vezes é equivocado. Eu fui jurado algumas vezes e muitas pessoas lá não têm um olhado de forma tranquila para isso, de competir ali apenas para mostrar o trabalho. Eu acho muito importante esse momento onde os tatuados e tatuadores sobem ao palco, que é uma forma de serem apresentados ao público da convenção que, afinal de contas, é o alvo da coisa. O elemento principal de toda convenção são os trabalhos apresentados. Normalmente, as convenções que têm telões e as tatuagens são mostradas de uma forma bem destacadas, dão uma força para essa situação. Acho que todas convenções deveriam ter isso para que o público possa apreciar o trabalho daquele artista que se esforçou, fez o melhor, se relacionou com outros artistas, interagiu. E isso é uma coisa boa. Mas a parte da competição em que um quer ser melhor que o outro, que levam isso de uma forma muito acirrada, eu já vi coisas bem chatas em relação a isso. Mas quando os tatuadores se respeitam e é apenas uma brincadeira, aí sim, tudo bem. Até porque é difícil você julgar se realmente aquele trabalho é o melhor, o mais avançado tecnicamente, ou mais criativo ou melhor composto. Nem sempre grandes tatuadores participam da competição. Muitas vezes estão ali na convenção e não se interessam por isso.
Enfim, se os competidores tiverem bom senso e forem amigáveis, respeitarem e admirarem o trabalho do outro, eu acho que isso pode continuar, como uma grande brincadeira entre amigos. Mas quando passa disso, vai para o ego, estraga. Existem várias convenções que não têm competição e, sinceramente, devem ser as melhores. Muitos artistas passam os três dias tatuando, pensando no resultado final para poder ganhar um determinado prêmio, ou apenas um troféu, e eu não acho isso uma coisa muito bacana. Acho que quando você está numa convenção, tem que interagir, conhecer, falar de técnicas, tatuar também, é clar,o mas o espírito da coisa é que não pode ser negativo.
Você como um mestre do free hand. O que acha do estilo "Ctrl C e Ctrl V" (copiou e colou)?
Eu sempre tive a cópia como um exercício do desenvolvimento, assim como um músico copia as músicas dos outros até fazer suas próprias criações. No meu caso, eu não via isso como um fim, via como um meio para chegar ao objetivo de começar a criar. Na verdade, eu sempre tive as duas práticas. A cópia me ajudou muito a criar, e é copiando que se decora as formas. Hoje, eu me limito a copiar retrato, trabalho de grandes mestres, aos quais faço uma leitura quando pratico a cópia. Mas, na maior parte, faço minhas criações. Se a pessoa está satisfeita em passar a vida copiando e se desenvolver cada vez mais nisso, não tenho nada contra, cada um brinca da maneira que quiser. Na arte, se abster de criar não elimina o fato de a cópia seja uma coisa muito boa, desde que feita com qualidade. Até mesmo um hiper realismo tatuado é uma coisa muito boa. Hoje, só trabalho com minhas criações e faço cópias esporádicas. Tenho grande respeito por todos que se desenvolvem em qualquer uma das partes. Talvez, no futuro, os clientes escolham os tatuadores por seu estilo e pela sua própria criação, apesar de a cópia sempre estar presente.
Sabemos que você tatua porque gosta do que faz, mas qual estilo realmente te encanta?
Na verdade, não tem um estilo que mais me encanta quando se trata do trabalhos dos outros. No exercício de jurado, a gente analisa cada trabalho como ele deve ser, e quando se tem um entendimento maior, você aprende apreciar. Porém, tem alguns estilos que chamam mais a minha atenção como oriental, old e new school. E cada um desses estilos, tem como foco a apreciação do trabalho de determinados tatuadores como o oriental, do Maurício Teodoro, e o oriental, do Junior Goussain.
Hoje para iniciantes tem alguns bons cursos, o que você acha de passar adiante o que aprendeu?
Todas as profissões têm mestres e alunos, e na tatuagem não poderia ser diferente. Uns dão aulas porque gostam e outros apenas pelo dinheiro. Nos anos 80, isso não existia no Brasil. A maior parte dos tatuadores escondia as técnicas. Hoje, com o aumento da demanda, surgem muitos interessados, mas poucos artistas de verdade com feeling pra tatuagem. De qualquer forma, acho muito bom que as informações estejam disponíveis, isso favorece a todos.

O que você diria para uma pessoa que quer entrar nesse mundo da tattoo?
Se preocupe apenas em desenvolver a sua arte, tenha respeito por essa profissão e se divirta na execução da mesma. Quanto mais o seu trabalho for desenvolvido, menos preocupação você terá com dinheiro e captação de clientes, pois isso acontecerá naturalmente. Nunca pare de estudar. Se você não é artista, procure outra coisa pra fazer.
Informe o endereço para seus fãs que queiram ter na pele uma arte sua.
Hoje trabalho numa sala q não é aberta ao público. Fazemos o primeiro contato pelo WhatsApp 13-997314497, e para quem quer conhecer meu trabalho, visite meu perfil no Instagram @mordentitattoo
Deixe uma mensagem para todos que durante anos te acompanham e admiram.
A mensagem que posso dar é: sejam artistas. Desenvolvam seu próprio estilo, então não terão concorrentes. Na medida que o público se desenvolve, ele selecionará por afinidade, e não por modismos. Hoje vemos pessoas de baixa renda, que por terem informações fáceis pela internet sobre tatuagens, conseguem reconhecer o trabalho de um tatuador, apenas pelo traço ou estilo. E isso, para mim, não é banalização da tatuagem, mas sim, desenvolvimento cultural. Isso é um fenômeno cultural, e deverá ser registrado nos livros de história da arte. Tenham orgulho da tatuagem!